Homem: O Ser que Pergunta
Homem: O Ser que Pergunta
Normalmente perguntamos sem refletir sobre o
próprio perguntar, sem indagar pelo significado dessa operação que se acha na
raiz de todo conhecimento e de toda ciência. E ao perguntar pelo perguntar,
convertemos essa operação, que nos parece tão banal, tão quotidiana, em tema
filosófico, a partir do momento em que passamos a considera-la do ponto de
vista da crítica radical.
Se compararmos, nesse aspecto, o comportamento
humano com o do animal, verificaremos que o animal não pergunta, não indaga,
limitando-se a responder. Mas, por que o animal não pergunta? Não pergunta
porque não precisa perguntar. E por que não precisa perguntar? Porque para viver e reproduzir-se dispõe do
instinto que o torna capaz de fazer, embora inconsciente e sonambulicamente, tudo que é necessário para sobreviver e
assegurar a sobrevivência de sua espécie. O animal não pergunta, limita-se a
responder ao estímulos e provocações do contexto em que se encontra, a
responder imediatamente, fugindo do perigo quando é ameaçado, e atacando a
presa quando está com fome.
Entre o animal e o contexto em que vive não há ruptura,
não há solução de continuidade, porque o animal é natureza dentro da natureza,
instinto, espontaneidade vital, inconsciência (...) Quando o comportamento do
animal não é ditado pelo instinto, nem pela necessidade de alimentar-se, ou de
reproduzir-se, e de mover-se no espaço, é ditado pelos estímulos exteriores que
provocam reflexos ou respostas previamente determinada. O animal não precisa
saber o que são as coisas, não precisa perguntar, porque sabe por instinto tudo
o que precisa saber para sobreviver e assegurar as sobrevivência da espécie, do
grupo ou da família a que pertence.
Essa ciência está implícita em sua natureza, pois
o peixe nasce sabendo nadar, o pássaro sabendo voar, e os gatos e os cachorros
sabendo andar e correr. A integração no contexto natural é completa, mesmo por
parte dos animais que constroem colmeias com as abelhas, edifícios para morar
como as formigar, ou teias como as aranhas. Essas construções são obra do
intinto, atividadade que realiza fins determinados em ter consciência de que os
realiza, sem ter a possibilidade, ou a liberdade de não realizá-los . Pois ser
abelha e construir colmeias é a mesma coisa, e a mesma coisa, também, é ser
formiga e erguer formigueiros, e ser aranha e fabricar as teias. Toda conduta,
toda a atividade do animal está predeterminada, preestabelecida, em sua
natureza, inclusive a possibilidade, que se verifica em relação a certos
animais superiores, de serem adestrados para trabalhar nos circos.
Em contraste, o homem pergunta. E por que
pergunta? Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa perguntar? Precisa perguntar porque não sabe e precisa
saber, saber o que é o mundo em que se encontra e no qual deve viver. Para
poder viver, e viver é conviver, com as
coisas e com os outros homens. Precisa
saber como as coisas e os outros homens se comportam. Pois sem esse
conhecimento não poderia orientar sua conduta em relação às coisas e os outros
homens. Para o ser humanos o conhecimento não é facultativo, mas indispensável,
uma vez que sua sobrevivência dele depende. Mas, para que esse conhecimento lhe
seja realmente útil e lhe permita transformar a natureza, pondo-a a seu serviço,
e lhe permita, também, transformar sua própria natureza, pela educação e pela
cultura, para que esse conhecimento possa tornar-se o fundamento de uma técnica
realmente eficaz é indispensável que não seja meramente empírico, mas
científico ou epistemológico, como diziam os gregos.
Ora, o que está na origem do conhecimento, tanto
filosófico, quanto científico? Na origem desse conhecimento está a capacidade,
ou melhor, a necessidade de perguntar, de indagar, o que são as coisas e o que
é o homem. E qual é o pressuposto, ou condição, de possibilidade da
pergunta? Se pergunto é porque eu não
sei, ou me comporto como se não soubesse. A pergunta supõe, consequentemente, a
ignorância em relação ao que se pretende saber, pressupondo, também, e ao mesmo
tempo, a consciência da ignorância e o conhecimento, por assim dizer, em loco,
daquilo que se desconhece e precisa conhecer. A mola do processo é a
contradição. Não sei e sei que não sei, e essa consciência da ignorância, a
ciência da insciência, é o que me permite
perguntar, quer a pergunta se dirija à natureza, quer se enderece aos
outros homens.
Na origem, na raiz do perguntar, encontramos,
portanto, a ruptura, a cisão, a contradição. Não sei, preciso perguntar e
porque sei que não sei, pergunto, na expectativa de que a resposta possa
trazer-me o conhecimento que não tenho e preciso ter.
( Roland Corbisier in Fundamentos da Filosofia,
Gilberto Cotrin, Editora Saraiva.)
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