quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Homem: O Ser que Pergunta


Homem: O Ser que Pergunta
Normalmente perguntamos sem refletir sobre o próprio perguntar, sem indagar pelo significado dessa operação que se acha na raiz de todo conhecimento e de toda ciência. E ao perguntar pelo perguntar, convertemos essa operação, que nos parece tão banal, tão quotidiana, em tema filosófico, a partir do momento em que passamos a considera-la do ponto de vista da crítica radical.
Se compararmos, nesse aspecto, o comportamento humano com o do animal, verificaremos que o animal não pergunta, não indaga, limitando-se a responder. Mas, por que o animal não pergunta? Não pergunta porque não precisa perguntar. E por que não precisa perguntar?  Porque para viver e reproduzir-se dispõe do instinto que o torna capaz de fazer, embora inconsciente e sonambulicamente,  tudo que é necessário para sobreviver e assegurar a sobrevivência de sua espécie. O animal não pergunta, limita-se a responder ao estímulos e provocações do contexto em que se encontra, a responder imediatamente, fugindo do perigo quando é ameaçado, e atacando a presa quando está com fome.
Entre o animal e o contexto em que vive não há ruptura, não há solução de continuidade, porque o animal é natureza dentro da natureza, instinto, espontaneidade vital, inconsciência (...) Quando o comportamento do animal não é ditado pelo instinto, nem pela necessidade de alimentar-se, ou de reproduzir-se, e de mover-se no espaço, é ditado pelos estímulos exteriores que provocam reflexos ou respostas previamente determinada. O animal não precisa saber o que são as coisas, não precisa perguntar, porque sabe por instinto tudo o que precisa saber para sobreviver e assegurar as sobrevivência da espécie, do grupo ou da família a que pertence.
Essa ciência está implícita em sua natureza, pois o peixe nasce sabendo nadar, o pássaro sabendo voar, e os gatos e os cachorros sabendo andar e correr. A integração no contexto natural é completa, mesmo por parte dos animais que constroem colmeias com as abelhas, edifícios para morar como as formigar, ou teias como as aranhas. Essas construções são obra do intinto, atividadade que realiza fins determinados em ter consciência de que os realiza, sem ter a possibilidade, ou a liberdade de não realizá-los . Pois ser abelha e construir colmeias é a mesma coisa, e a mesma coisa, também, é ser formiga e erguer formigueiros, e ser aranha e fabricar as teias. Toda conduta, toda a atividade do animal está predeterminada, preestabelecida, em sua natureza, inclusive a possibilidade, que se verifica em relação a certos animais superiores, de serem adestrados para trabalhar nos circos.
Em contraste, o homem pergunta. E por que pergunta? Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa perguntar?  Precisa perguntar porque não sabe e precisa saber, saber o que é o mundo em que se encontra e no qual deve viver. Para poder viver, e viver é conviver, com  as coisas e com os outros homens.  Precisa saber como as coisas e os outros homens se comportam. Pois sem esse conhecimento não poderia orientar sua conduta em relação às coisas e os outros homens. Para o ser humanos o conhecimento não é facultativo, mas indispensável, uma vez que sua sobrevivência dele depende. Mas, para que esse conhecimento lhe seja realmente útil e lhe permita transformar a natureza, pondo-a a seu serviço, e lhe permita, também, transformar sua própria natureza, pela educação e pela cultura, para que esse conhecimento possa tornar-se o fundamento de uma técnica realmente eficaz é indispensável que não seja meramente empírico, mas científico ou epistemológico, como diziam os gregos.
Ora, o que está na origem do conhecimento, tanto filosófico, quanto científico? Na origem desse conhecimento está a capacidade, ou melhor, a necessidade de perguntar, de indagar, o que são as coisas e o que é o homem. E qual é o pressuposto, ou condição, de possibilidade da pergunta?  Se pergunto é porque eu não sei, ou me comporto como se não soubesse. A pergunta supõe, consequentemente, a ignorância em relação ao que se pretende saber, pressupondo, também, e ao mesmo tempo, a consciência da ignorância e o conhecimento, por assim dizer, em loco, daquilo que se desconhece e precisa conhecer. A mola do processo é a contradição. Não sei e sei que não sei, e essa consciência da ignorância, a ciência da insciência, é o que me permite  perguntar, quer a pergunta se dirija à natureza, quer se enderece aos outros homens.
Na origem, na raiz do perguntar, encontramos, portanto, a ruptura, a cisão, a contradição. Não sei, preciso perguntar e porque sei que não sei, pergunto, na expectativa de que a resposta possa trazer-me o conhecimento que não tenho e preciso ter.
( Roland Corbisier in Fundamentos da Filosofia, Gilberto Cotrin, Editora Saraiva.)

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