INVENTANDO UNIVERSOS
Quando nos deparamos com a questão da origem de
todas as coisas, podemos discernir uma clara universalidade do pensamento
humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua
essência, as ideias são as mesmas. (....) mitos de criação e modelos
cosmológicos têm algo de fundamental em comum: ambos representam nossos
esforços para compreender a existência.
Há milênios, muito antes desse corpo de
conhecimento que hoje chamamos de ciência existir, a relação dos seres humano
com o mundo era bem diferente. A natureza era respeitada e idolatrada, sendo a
única responsável pela sobrevivência de nossa espécie, a qual vivia
basicamente, de uma caça e de uma agricultura bastante rudimentar. Na esperança
de que catástrofes naturais tais como vulcões, tempestades ou furacões não
destruíssem as suas casas e plantações, ou matassem os animais e peixes, várias
culturas atribuíram aspectos divinos à natureza. Através dessa relação com os
deuses, os indivíduos buscavam ordenar
sua existência, dando sentido a fenômenos misteriosos e ameaçadores. Por outro
lado, a relação com os deuses tinha, também, uma função social, impondo valores
morais e éticos que eram fundamentais para a coesão do grupo (......) isso
explica por que mitos de determinadas culturas podem parecer completamente sem
sentido em outras. De fato, um erro bastante comum é usarmos valores ou
símbolos de uma cultura, na interpretação de mitos de outras culturas. Outro erro grave é interpretar um mito cientificamente,
ou tentar prover mitos com conteúdo científico. Os mitos têm que ser entendidos
dentro do contexto cultural do qual fazem parte.
A fim de organizar melhor nossas ideias, vamos
chamar os mitos que supõem um momento de Criação de “ mitos com Criação”. Já os
mitos em que o Universo é eterno, ou criado e destruído infinitas vezes,
chamemos de “mitos sem Criação”. Os
mitos que assumem a existência de um início são, sem dúvida, os mais comuns, em
especial aqueles que invocam um “Ser Positivo” no papel de Criador. Para o
mundo ocidental, o mito de criação mais conhecido é encontrado no Gênesis
1:1-5, Deus absoluto, exerce seu infinito poder criativo através de palavras, que dão existência ao Universo.
Em física, a questão da origem do Universo é muito
mais complicada. Mesmo que seja possível usar a relatividade geral e mecânica
quântica na construção de modelos matemáticos, que descrevem de modo
auto-consistente uma possível origem. Na
minha opinião, modelos por si sós, não
são suficientes para que realmente possamos entender a origem do Universo. Já
que todos esses modelos supõem a validade das leis da física, como ferramentas fundamental em sua
construção, eles, por definição, não podem explicar qual a origem das próprias
leis da física (.....) Será que devemos então desistir de investigar essas
questões através da física? Certamente, não! Mas, talvez, ao refletirmos sobre
essas questões e sobre nossas limitações ao lidarmos com elas, um pouco de
humildade, tantas vezes esquecidas no “calor” do debate científico, venha ser
restaurada.
Em 1947, Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman, o
trio elaborou a física do modelo do big-bang, dando-lhe uma forma não muito
diferente da que conhecemos hoje. O cenário desenvolvido por Gamow começa com o
Universo cheio de prótons, nêutrons e elétrons. Em torno de 500 bilhões de graus Celsius, os
vários constituintes básicos da matéria moviam-se livremente, colidindo entre
si e com fótons, mas sem ligar-se para formar núcleos ou átomos, como pedaços
de legumes numa sopa. A aglomeração
hierárquica da matéria progrediu continuamente, juntamente com a expansão e
resfriamento do Universo. Ligações nucleares entre prótons e nêutrons
tornaram-se possíveis. Os núcleos mais leves foram cozidos durante os primeiros
momentos de existência do Universo. O processo de fusão progressiva dos núcleos
mais leves demorou em torno de 45 minutos. Quando a temperatura caiu para aproximadamente 3 mil graus Celsius, os
átomos de hidrogênio puderam se formar. O Universo primordial era mesmo uma fornalha
que cozinhou os elementos mais leves, deixando uma radiação composta por fótons
em frequências de micro-ondas, como
lembranças das extremas condições físicas que reinaram durante o início de sua
história.
Penzias e Wilson descobriram que o ruído de uma
antena, para o estudo uma supernova, localizada a 10 mil anos-luz, era
persistente. O ruído vinha de todas as direções do céu! De repente, tudo passou
a fazer sentido! Penzias e Wilson haviam descoberto os “raios fósseis” que se
originaram após o desacoplamento da matéria e radiação, uma espécie de
fotografia do Universo, o grande triunfo do modelo do big-bang.
É importante que minha intenção ao apresentar, num único livro, classificação de mitos de criação e de modelos
cosmogônicos, fique bem clara. Não
acredito que as teorias cosmológicas modernas estejam simplesmente reiventando
ideias ancestrais sobre a Criação. Conforme vimos, a linguagem e simbologia
empregadas são completamente diferentes. Mais ainda, os cosmólogos do século
XX, certamente não construíram modelos matemáticos descrevendo o Universo
inspirados por mitos de Criação. Modelos científicos são descrições quantitativas
do mundo natural, enquanto mitos são histórias criadas para organizar e dar
sentido às nossas vidas. Entretanto, o desejo de compreende o Universo em que
vivemos é comum a ambos, assim como o fascínio exercido pela questão mais
fundamental sobre nossa existência.
Antes as coisas eram relativamente mais simples,
as pessoas tinham apenas que acreditar nas respostas dadas pela religião. Você
não tem de acreditar nos cientistas, você tem de compreender suas ideias. Mas
ainda, você deve duvidar seriamente de qualquer cientista que tente
convencê-lo, baseado em argumentos científicos, da futilidade de sua crença
religiosa. Em contrapartida, você também deve duvidar de qualquer sacerdote que
tente convencê-lo, baseado em argumento religioso, da futilidade da ciência
moderna.
GLEISER, Marcelo. A dança do Univero: dos mitos de
Criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Pela primeira
vez em toda história coletiva da humanidade, temos o poder de nos aniquilar por
completo centenas de vezes. Pela primeira é possível lutar numa guerra
diferente de todas as outras, uma guerra sem vencedores. Conforme escreveu
Oppheimer, após a detonação da primeira bomba atômica no deserto do Estado
americano do Novo México.
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