quinta-feira, 24 de outubro de 2019


INVENTANDO UNIVERSOS
Quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas, podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as ideias são as mesmas. (....) mitos de criação e modelos cosmológicos têm algo de fundamental em comum: ambos representam nossos esforços para compreender a existência.
Há milênios, muito antes desse corpo de conhecimento que hoje chamamos de ciência existir, a relação dos seres humano com o mundo era bem diferente. A natureza era respeitada e idolatrada, sendo a única responsável pela sobrevivência de nossa espécie, a qual vivia basicamente, de uma caça e de uma agricultura bastante rudimentar. Na esperança de que catástrofes naturais tais como vulcões, tempestades ou furacões não destruíssem as suas casas e plantações, ou matassem os animais e peixes, várias culturas atribuíram aspectos divinos à natureza. Através dessa relação com os deuses, os indivíduos  buscavam ordenar sua existência, dando sentido a fenômenos misteriosos e ameaçadores. Por outro lado, a relação com os deuses tinha, também, uma função social, impondo valores morais e éticos que eram fundamentais para a coesão do grupo (......) isso explica por que mitos de determinadas culturas podem parecer completamente sem sentido em outras. De fato, um erro bastante comum é usarmos valores ou símbolos de uma cultura, na interpretação de mitos de outras culturas.  Outro erro grave é interpretar um mito cientificamente, ou tentar prover mitos com conteúdo científico. Os mitos têm que ser entendidos dentro do contexto cultural do qual fazem parte.
A fim de organizar melhor nossas ideias, vamos chamar os mitos que supõem um momento de Criação de “ mitos com Criação”. Já os mitos em que o Universo é eterno, ou criado e destruído infinitas vezes, chamemos de “mitos sem Criação”.  Os mitos que assumem a existência de um  início são, sem dúvida, os mais comuns, em especial aqueles que invocam um “Ser Positivo” no papel de Criador. Para o mundo ocidental, o mito de criação mais conhecido é encontrado no Gênesis 1:1-5, Deus absoluto, exerce seu infinito poder criativo através  de palavras, que dão existência ao Universo.
Em física, a questão da origem do Universo é muito mais complicada. Mesmo que seja possível usar a relatividade geral e mecânica quântica na construção de modelos matemáticos, que descrevem de modo auto-consistente  uma possível origem. Na minha opinião, modelos  por si sós, não são suficientes para que realmente possamos entender a origem do Universo. Já que todos esses modelos supõem a validade das leis da física,  como ferramentas fundamental em sua construção, eles, por definição, não podem explicar qual a origem das próprias leis da física (.....) Será que devemos então desistir de investigar essas questões através da física? Certamente, não! Mas, talvez, ao refletirmos sobre essas questões e sobre nossas limitações ao lidarmos com elas, um pouco de humildade, tantas vezes esquecidas no “calor” do debate científico, venha ser restaurada.
Em 1947, Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman, o trio elaborou a física do modelo do big-bang, dando-lhe uma forma não muito diferente da que conhecemos hoje. O cenário desenvolvido por Gamow começa com o Universo cheio de prótons, nêutrons e elétrons.  Em torno de 500 bilhões de graus Celsius, os vários constituintes básicos da matéria moviam-se livremente, colidindo entre si e com fótons, mas sem ligar-se para formar núcleos ou átomos, como pedaços de legumes numa sopa.  A aglomeração hierárquica da matéria progrediu continuamente, juntamente com a expansão e resfriamento do Universo. Ligações nucleares entre prótons e nêutrons tornaram-se possíveis. Os núcleos mais leves foram cozidos durante os primeiros momentos de existência do Universo. O processo de fusão progressiva dos núcleos mais leves demorou em torno de 45 minutos. Quando a temperatura caiu  para aproximadamente 3 mil graus Celsius, os átomos de hidrogênio puderam se formar.  O Universo primordial era mesmo uma fornalha que cozinhou os elementos mais leves, deixando uma radiação composta por fótons em frequências de micro-ondas,  como lembranças das extremas condições físicas que reinaram durante o início de sua história.
Penzias e Wilson descobriram que o ruído de uma antena, para o estudo uma supernova, localizada a 10 mil anos-luz, era persistente. O ruído vinha de todas as direções do céu! De repente, tudo passou a fazer sentido! Penzias e Wilson haviam descoberto os “raios fósseis” que se originaram após o desacoplamento da matéria e radiação, uma espécie de fotografia do Universo, o grande triunfo do modelo do big-bang.
É importante que minha intenção ao apresentar,  num único livro,  classificação de mitos de criação e de modelos cosmogônicos,  fique bem clara. Não acredito que as teorias cosmológicas modernas estejam simplesmente reiventando ideias ancestrais sobre a Criação. Conforme vimos, a linguagem e simbologia empregadas são completamente diferentes. Mais ainda, os cosmólogos do século XX, certamente não construíram modelos matemáticos descrevendo o Universo inspirados por mitos de Criação. Modelos científicos são descrições quantitativas do mundo natural, enquanto mitos são histórias criadas para organizar e dar sentido às nossas vidas. Entretanto, o desejo de compreende o Universo em que vivemos é comum a ambos, assim como o fascínio exercido pela questão mais fundamental sobre nossa existência.
Antes as coisas eram relativamente mais simples, as pessoas tinham apenas que acreditar nas respostas dadas pela religião. Você não tem de acreditar nos cientistas, você tem de compreender suas ideias. Mas ainda, você deve duvidar seriamente de qualquer cientista que tente convencê-lo, baseado em argumentos científicos, da futilidade de sua crença religiosa. Em contrapartida, você também deve duvidar de qualquer sacerdote que tente convencê-lo, baseado em argumento religioso, da futilidade da ciência moderna.
GLEISER, Marcelo. A dança do Univero: dos mitos de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.





Pela primeira vez em toda história coletiva da humanidade, temos o poder de nos aniquilar por completo centenas de vezes. Pela primeira é possível lutar numa guerra diferente de todas as outras, uma guerra sem vencedores. Conforme escreveu Oppheimer, após a detonação da primeira bomba atômica no deserto do Estado americano do Novo México.

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