O QUE É IDEOLOGIA (Marilena Chauí).
O
real não é constituído por coisas. Nossa experiência direta e imediata da
realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas, isto é , de objetos
físicos, psíquicos, culturais oferecidos à nossa percepção e às nossas
vivências. (...) Isto, porém, não implica em afirmar o oposto, isto é, se o
real não é constituído de coisas, então será constituído por idéias ou por
nossas representaçõesdas coisas. Se fizéssemos tal afirmação, estaríamos na
ideologia em estado puro, pois para esta última a realidade é constituída por
ideias das quais as coisas seriam uma espécie de receptáculo...
O empirismo considera
que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se
reduz a experiência sensorial que temos dos objetos cujas sensações se associam
e formam ideias em nosso cérebro. O idealista, por sua vez, considera que o
real são ideias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao
exame dos dados e das operações de nossas consciências ou do intelecto como
atividades produtora de ideias que dão sentido ao real e o fazem existir para
nós. Tanto num caso como no outro, a realidade
é considerada como um puro dado imediato: um dado dos sentidos, para o
empirista, ou um dado da consciência, para o idealista. Ora, o real não é um dado sensível nem um
dado intelectual, mas é um processo, que depende fundamentalmente do modo como
os homens se relacionam entre si em com a natureza. É,portanto, das relações
sociais que precisamos partir para compreender o quê, como e por que os homens
agem e pensam de maneira determinadas,
sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-las ou de
transformá-las.
Nesta perspectiva, a
história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em
condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de
sociabilidade e procuram fixa-lo em instituições determinadas(...) Além disso,
os homens produzem ideias ou representações pelas quais procuram explicar e
compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas,
ideias, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas
relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração
econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social
chama-se ideologia. Por seu intermédio, os homens legitimam as condições
sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e
justas.
O processo histórico
real, observa(grifo meu) que cada nova classe em ascensão que começa
a se desenvolver dentro de um modo de produção que será destruído quando essa
nova classe dominar, cada classe emergente precisa formular seus interesses de
modo sistemático e, para ganhar o apoio do restante da sociedade contra a
classe dominante existente, precisa fazer com que tais interesses apareçam como
interesses de toda a sociedade. (...) A nova classe emergente precisa dar às
suas ideias a maior universalidade possível, fazendo com que apareçam com
verdadeira e justas para o maior número possível de membros da sociedade.
Porém, uma vez alcançada a vitória e a classe ascendente tornando-se dominante,
seus interesses passam a ser particulares, isto é, são apenas seus interesses
de classe. No entanto, agora, tais interesses precisam ser mantidos com
aparência de universais, porque precisam legitimar o domínio que exerce sobre o
restante da sociedade. Esse é o papel da ideologia. O papel
expecífico da ideologia como instrumento da luta de classes é impedir que a
dominação e a exploração sejam percebidos em sua realidade concreta. Para
tanto, é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões
sociais como divisões de classes, escondendo, assim, sua própria origem.
Porque a ideologia
legitima a dominação da classe dominante, compreende-se por que a história
ideológica seja sempre uma história narrada do ponto de vista do vencedor ou
dos poderosos. Por isso os dominados aparecem nos textos dos historiadores
sempre a partir do modo como eram vistos e compreendidos pelos próprios
vencedores. Daí que, a luta dos escravos estão sem registro e tudo que delas
sabemos está registrado pelos senhores brancos. Não há direito à memória para o
negro. Nem para o Índio. Nem para os camponeses. Nem para os operários. Graças
a esse tipo de história, a ideologia burguesa pode manter sua hegemonia mesmo
sobre os vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos
da história, mas apenas seus pacientes.
( Marilena Chauí. O que é ideologia. 37ed. SP:Brasiliense, 1994)
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