sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O QUE É IDEOLOGIA (Marilena Chauí).

    O real não é constituído por coisas. Nossa experiência direta e imediata da realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas, isto é , de objetos físicos, psíquicos, culturais oferecidos à nossa percepção e às nossas vivências. (...) Isto, porém, não implica em afirmar o oposto, isto é, se o real não é constituído de coisas, então será constituído por idéias ou por nossas representaçõesdas coisas. Se fizéssemos tal afirmação, estaríamos na ideologia em estado puro, pois para esta última a realidade é constituída por ideias das quais as coisas seriam uma espécie de receptáculo...
    O empirismo considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz a experiência sensorial que temos dos objetos cujas sensações se associam e formam ideias em nosso cérebro. O idealista, por sua vez, considera que o real são ideias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossas consciências ou do intelecto como atividades produtora de ideias que dão sentido ao real e o fazem existir para nós.  Tanto num caso como no outro, a realidade é considerada como um puro dado imediato: um dado dos sentidos, para o empirista, ou um dado da consciência, para o idealista.  Ora, o real não é um dado sensível nem um dado intelectual, mas é um processo, que depende fundamentalmente do modo como os homens se relacionam entre si em com a natureza. É,portanto, das relações sociais que precisamos partir para compreender o quê, como e por que os homens agem e  pensam de maneira determinadas, sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-las ou de transformá-las.
Nesta perspectiva, a história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de sociabilidade e procuram fixa-lo em instituições determinadas(...) Além disso, os homens produzem ideias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações  com a natureza e com o sobrenatural. Essas, ideias, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por seu intermédio, os homens legitimam as condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas.
O processo histórico real, observa(grifo meu) que cada nova classe em ascensão que começa a se desenvolver dentro de um modo de produção que será destruído quando essa nova classe dominar, cada classe emergente precisa formular seus interesses de modo sistemático e, para ganhar o apoio do restante da sociedade contra a classe dominante existente, precisa fazer com que tais interesses apareçam como interesses de toda a sociedade. (...) A nova classe emergente precisa dar às suas ideias a maior universalidade possível, fazendo com que apareçam com verdadeira e justas para o maior número possível de membros da sociedade. Porém, uma vez alcançada a vitória e a classe ascendente tornando-se dominante, seus interesses passam a ser particulares, isto é, são apenas seus interesses de classe. No entanto, agora, tais interesses precisam ser mantidos com aparência de universais, porque precisam legitimar o domínio que exerce sobre o restante da sociedade. Esse é o papel da ideologia. O papel expecífico da ideologia como instrumento da luta de classes é impedir que a dominação e a exploração sejam percebidos em sua realidade concreta. Para tanto, é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisões de classes, escondendo, assim, sua própria origem.
    Porque a ideologia legitima a dominação da classe dominante, compreende-se por que a história ideológica seja sempre uma história narrada do ponto de vista do vencedor ou dos poderosos. Por isso os dominados aparecem nos textos dos historiadores sempre a partir do modo como eram vistos e compreendidos pelos próprios vencedores. Daí que, a luta dos escravos estão sem registro e tudo que delas sabemos está registrado pelos senhores brancos. Não há direito à memória para o negro. Nem para o Índio. Nem para os camponeses. Nem para os operários. Graças a esse tipo de história, a ideologia burguesa pode manter sua hegemonia mesmo sobre os vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos da história, mas apenas seus pacientes.

( Marilena Chauí. O que é ideologia. 37ed. SP:Brasiliense, 1994)

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