sexta-feira, 6 de setembro de 2013

APARTHEID: A ORIGEM DO CONCEITO
Um dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro de um carro,  se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito.(...)
O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes.(...)
Não se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros, os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os outros, para trabalhar como escravos.
Só muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro, indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou, dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções, os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os brancos.
A esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos, entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos parlamentares e governamentais.
O sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos resultados do progresso. (...)
Foi graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu, do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda, garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos necessários aos investimentos.
O que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade infantil, do assassinato de menino de rua.

(Cristovam Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).APARTHEID: A ORIGEM DO CONCEITO
Um dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro de um carro,  se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito.(...)
O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes.(...)
Não se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros, os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os outros, para trabalhar como escravos.
Só muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro, indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou, dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções, os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os brancos.
A esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos, entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos parlamentares e governamentais.
O sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos resultados do progresso. (...)
Foi graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu, do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda, garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos necessários aos investimentos.
O que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).APARTHEID: A ORIGEM DO CONCEITO
Um dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro de um carro,  se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito.(...)
O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes.(...)
Não se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros, os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os outros, para trabalhar como escravos.
Só muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro, indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou, dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções, os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os brancos.
A esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos, entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos parlamentares e governamentais.
O sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos resultados do progresso. (...)
Foi graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu, do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda, garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos necessários aos investimentos.
O que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).APARTHEID: A ORIGEM DO CONCEITO
Um dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro de um carro,  se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito.(...)
O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes.(...)
Não se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros, os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os outros, para trabalhar como escravos.
Só muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro, indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou, dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções, os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os brancos.
A esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos, entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos parlamentares e governamentais.
O sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos resultados do progresso. (...)
Foi graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu, do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda, garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos necessários aos investimentos.
O que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).APARTHEID: A ORIGEM DO CONCEITO
Um dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro de um carro,  se divertiam despejando batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele jeito.(...)
O que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres diferentes.(...)
Não se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros, os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os outros, para trabalhar como escravos.
Só muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro, indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou, dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções, os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os brancos.
A esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos, entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos parlamentares e governamentais.
O sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos resultados do progresso. (...)
Foi graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu, do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda, garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos necessários aos investimentos.
O que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial