APARTHEID:
A ORIGEM DO CONCEITO
Um
dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro
de um carro, se divertiam despejando
batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem
assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é
possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele
jeito.(...)
O
que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes
dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de
matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo
presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres
diferentes.(...)
Não
se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos
antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar
de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros,
os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os
outros, para trabalhar como escravos.
Só
muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um
planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A
escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro,
indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo
assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar
do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou,
dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E
essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a
todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A
partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização
mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o
conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções,
os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa
situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos
anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade
de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra
se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A
urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia
da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de
População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos
separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação
entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do
Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os
brancos.
A
esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos
brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas
leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram
regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular
conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos
circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos,
entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de
educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos
para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores
não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos
parlamentares e governamentais.
O
sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos
privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre
brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os
brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus
privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos
resultados do progresso. (...)
Foi
graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu,
do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um
sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de
desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda,
garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos
necessários aos investimentos.
O
que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da
diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade
crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos
incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem
culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes
com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros
começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade
infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam
Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993). APARTHEID:
A ORIGEM DO CONCEITO
Um
dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro
de um carro, se divertiam despejando
batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem
assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é
possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele
jeito.(...)
O
que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes
dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de
matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo
presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres
diferentes.(...)
Não
se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos
antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar
de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros,
os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os
outros, para trabalhar como escravos.
Só
muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um
planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A
escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro,
indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo
assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar
do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou,
dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E
essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a
todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A
partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização
mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o
conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções,
os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa
situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos
anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade
de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra
se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A
urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia
da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de
População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos
separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação
entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do
Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os
brancos.
A
esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos
brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas
leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram
regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular
conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos
circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos,
entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de
educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos
para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores
não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos
parlamentares e governamentais.
O
sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos
privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre
brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os
brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus
privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos
resultados do progresso. (...)
Foi
graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu,
do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um
sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de
desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda,
garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos
necessários aos investimentos.
O
que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da
diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade
crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos
incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem
culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes
com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros
começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade
infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam
Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993). APARTHEID:
A ORIGEM DO CONCEITO
Um
dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro
de um carro, se divertiam despejando
batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem
assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é
possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele
jeito.(...)
O
que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes
dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de
matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo
presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres
diferentes.(...)
Não
se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos
antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar
de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros,
os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os
outros, para trabalhar como escravos.
Só
muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um
planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A
escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro,
indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo
assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar
do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou,
dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E
essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a
todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A
partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização
mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o
conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções,
os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa
situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos
anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade
de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra
se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A
urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia
da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de
População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos
separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação
entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do
Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os
brancos.
A
esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos
brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas
leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram
regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular
conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos
circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos,
entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de
educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos
para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores
não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos
parlamentares e governamentais.
O
sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos
privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre
brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os
brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus
privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos
resultados do progresso. (...)
Foi
graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu,
do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um
sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de
desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda,
garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos
necessários aos investimentos.
O
que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da
diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade
crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos
incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem
culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes
com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros
começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade
infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam
Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993). APARTHEID:
A ORIGEM DO CONCEITO
Um
dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro
de um carro, se divertiam despejando
batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem
assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é
possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele
jeito.(...)
O
que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes
dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de
matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo
presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres
diferentes.(...)
Não
se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos
antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar
de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros,
os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os
outros, para trabalhar como escravos.
Só
muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um
planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A
escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro,
indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo
assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar
do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou,
dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E
essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a
todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A
partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização
mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o
conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções,
os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa
situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos
anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade
de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra
se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A
urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia
da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de
População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos
separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação
entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do
Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os
brancos.
A
esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos
brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas
leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram
regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular
conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos
circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos,
entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de
educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos
para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores
não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos
parlamentares e governamentais.
O
sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos
privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre
brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os
brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus
privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos
resultados do progresso. (...)
Foi
graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu,
do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um
sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de
desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda,
garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos
necessários aos investimentos.
O
que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da
diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade
crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos
incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem
culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes
com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros
começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade
infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam
Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993). APARTHEID:
A ORIGEM DO CONCEITO
Um
dia destes no estacionamento de um McDonald’s, em Brasília, dois jovens dentro
de um carro, se divertiam despejando
batatas fritas no chão para que pivetes pobres fossem atrás catando. Quem
assistia, se não se divertia também, perguntava-se por que, no Brasil, isto é
possível. O que faz com que um grupo se divirta daquela forma e outro rasteje daquele
jeito.(...)
O
que permitiu a cena repugnante foi que os donos do carro se sentiam diferentes
dos pobres pivetes, os quais viam no lixo que vinha dos ricos a única forma de
matar a fome. Apesar da língua comum, da mesma bandeira, de poderem votar no mesmo
presidente, os dois grupos se sentiam apartados um do outro, como seres
diferentes.(...)
Não
se pode dizer que o apartheid começou com os brando da África do Sul. Os gregos
antigos achavam que a espécie humana estava dividida em partes diferenciadas. Apesar
de serem os criadores do humanismo, dividiam os homens entre eles e os outros,
os bárbaros. Os primeiros nasciam para a liberdade e a riqueza da cultura, os
outros, para trabalhar como escravos.
Só
muito recentemente, há cerca de um século foi que passamos a viver em um
planeta onde os direitos iguais foram se afirmando de maneira generalizada. A
escravidão não acabou, mas passou a ser vista como um fenômeno raro,
indesejado, bárbaro e repugnante.
Mesmo
assim a desigualdade não diminuiu.
Apesar
do fim da propriedade de seres humanos por outros, a desigualdade continuou,
dependendo da nação, classe social, raça, sexo, ou simplesmente da sorte. E
essa desigualdade cresceu. Ainda que os direitos sejam estendidos igualmente a
todos, a civilização avançou aumentando a desigualdade.
A
partir de meados deste século, as coisas começaram a mudar. A urbanização
mostrou o mundo moderno para todos. Criou desejos adicionais e realizou o
conformismo, cresceram as tensões sociais, os pobres ameaçaram com revoluções,
os ricos se defenderam com ditaduras.
Essa
situação ocorreu de maneira mais dramática na África do Sul. Até o final dos
anos 40 a desigualdade econômica entre brancos e negros existia sem necessidade
de leis especiais que separassem fisicamente uns dos outros. A população negra
se submetia à discriminação exercida pela minoria branca.
A
urbanização, o crescimento econômico concentrado para os brancos e a rebeldia
da maioria negra forçaram a implantação, em 1950 da Lei do Registro de
População. Criou-se um sistema legal que mantinha os grupos sul-africanos
separados. Um conjunto de leis explicitou, determinou e regulou a separação
entre as partes da sociedade. A nova lei classificou os habitantes da África do
Sul em três categorias: os africanos ou negros, os de cor ou mestiços e os
brancos.
A
esse sistema deu-se o nome de APARTHEID, que no idioma africâner, falado pelos
brancos sul-africanos, quer dizer separação, apartação.
Novas
leis surgiram complementando o desenvolvimento separado na África do Sul. Foram
regulamentadas as áreas onde as pessoas poderiam residir, trabalhar e circular
conforme sua cor: consolidou-se a necessidade de passaporte para os não-brancos
circularem entre as áreas, proibiram-se contatos sociais, inclusive casamentos,
entre pessoas de raça diferentes, foram estabelecidos sistemas segregados de
educação com diferentes padrões e qualidade, definiram-se tipos de empregos
para cada raça, foram restringidos os movimentos sindicais de trabalhadores
não-brancos e negou-se a participação política aos não-brancos nos processos
parlamentares e governamentais.
O
sistema foi implantado visando garantir e ampliar a concentração dos
privilégios dos brancos. Não foi o apartheid que causou a desigualdade entre
brancos e negros na África do Sul. Foi a desigualdade crescente que levou os
brancos a implantar o aparthaid, como forma de conservar e ampliar seus
privilégios, inviáveis se fosse feita uma distribuição equitativa dos
resultados do progresso. (...)
Foi
graças a esse sistema que a economia sul-africana desenvolveu-se e enriqueceu,
do ponto de vista dos brancos, impedindo a ameaça política que ocorreria em um
sistema não apartado, o apartheid foi o sistema social que permitiu o surto de
desenvolvimento econômico da África do Sul. Evitando a distribuição de renda,
garantiu a formação de uma base de consumidores de alta renda e os recursos
necessários aos investimentos.
O
que mudou com o apartheid não foi o aumento da desigualdade, mas a afirmação da
diferença e com esta a aceitação sem constrangimento, da desigualdade
crescente. Ao se sentirem diferentes em relação aos negros, os brancos
incorporaram uma nova ética que lhes permitiu não sentir responsabilidade nem
culpa diante da desigualdade. Da mesma forma como os europeus não sentiam antes
com os escravos ou com os índios das Américas e como os ricos brasileiros
começam a não sentir diante da pobreza urbana, da fome ao redor, da mortalidade
infantil, do assassinato de menino de rua.
(Cristovam
Buarque. O que é apartação. O apartheid social no Brasil. Brasiliense, 1993).
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